Filme comete mesmos erros de outras produções brasileiras ao propor uma problematização da realidade que não faz
“Amado”, dirigido por Edu Felistoque e Erik de Castro, com estreia marcada para esta quinta-feira (9), tinha tudo para ser um filme revolucionário, mas cai no mesmo discurso rasteiro de igualar comunidades e pessoas em um mesmo discurso moralista, sem aprofundamentos ou contextualizações importantes de serem feitas, principalmente quando a temática envolve indivíduos em situação de vulnerabilidade.
O longa conta a história do cabo Amado, interpretado por um Sérgio Menezes que entrega o que lhe é pedido), incorruptível policial militar da Ceilândia, no Distrito Federal. Crítico da corrupção e de “almas sebosas”, termo que repete mais de uma vez ao longo da história, ele não só prende criminosos, mas também os julga e os executa. Ou seja, ao mesmo tempo que prega a lei, também a transgride sem dor na consciência.
Sim, porque esse detalhe chama a atenção em “Amado”. O personagem central em questão parece não ter dilemas. Executa o que julga correto como uma máquina, do primeiro ao último minuto, sem dúvidas e aparentando, muitas vezes, um falta de sensibilidade inverossímeis.
Há um momento na narrativa em que o roteiro flerta com a possibilidade de fazer de Amado que vai além do justiceiro, quando ele visita a namorada/amante em sua casa. Mas logo a cena debanda para outro momento e aquela fagulha de discussão é descartada.
“Amado”, em muitas ocasiões, lembra um daqueles filmes de ação dos anos 1980, no qual o mocinho sai matando seus inimigos, praticamente sem ser tocado, e obtém êxito ao final, para o bem ou para o mal. Com pouco menos de 90 minutos, o filme não tem nem tempo para desenvolver personagens, para faze-los discutir o sistema ou o papel da polícia. Apenas rotula comportamentos e ações e segue até o fim.
Como entretenimento, “Amado” entrega uma boa história de ação, mesmo com alguns tropeços técnicos, como uma edição que proporciona menos realidade do que se espera. Exemplo disso é uma das sequências de perseguição, em que policiais e bandidos parecem estar coreografando por cima de marcações espalhadas pelo chão. Tudo parece mecânico, pouco parece espontâneo.
A sinopse do filme fala que, na vida real, cabo Amado foi tido com um herói, idolatrado por muitos, tanto que virou filme. Mas até isso é neglicenciado na construção do roteiro. Você encontra admiradores entre os policiais, mas estes são os que costumam trabalhar com ele. Esse reconhecimento que levou a história de Amado ao cinema (e que, com certeza, deve ser calcada na realidade) não se sustenta na ficção.
Poxa, mas nada no filme funciona? A crítica social à pobreza, ao sentimento de insegurança e ao crime está presente. O problema, como já disse acima, é que isso não se aprofunda e comete os mesmos erros de tantas outras produções brasileiras: nivelar tudo sem discutir. Aqui, as milícias estão mais ligadas a uma corrupção policial do que pela pobreza e a falta de perspectiva da população e um reincidente no crime deve ser eliminado, sem que se tente entender porque ele prefere essa a outra vida.
E assim, as desigualdades sociais estão presentes, mas são um mero pano de fundo para o conflito urbano. E Amado acaba sendo mais justiceiro do que alguém que luta por justiça.