“Doutor Estranho 2” é uma tímida loucura que poderia ser bem mais ousada

Segundo filme da franquia do Mago Supremo diverte, aponta para o futuro da Marvel nos cinemas, mas tem problemas de roteiro injustificáveis

Antes de mais nada, é importante que se diga que “Doutor Estranho no Multiverso da Loucura” é um filme que se resolve em si e diverte muito. Visualmente, ele está bem à frente de muitos outros do MCU. Fotografia, efeitos visuais e som se destacam, principalmente, se a sua apreciação for em uma daquelas salas com tela gigante e sistema de som moderno.

No entanto, o seu conteúdo tropeça na narrativa de uma forma inconcebível para um estúdio com mais de uma década de longas. São situações, aliás, que o Universo da Marvel nos cinemas não costuma apresentar, mesmo se considerarmos os primeiros filmes.

O problema está, claramente, no roteiro. Porque você sai do cinema com a sensação de que a projeção poderia ter, pelo menos, mais meia hora, para dar conta dos furos e das incompletudes. “Doutor Estranho no Multiverso da Loucura” tinha tudo para uma ser uma saga enorme ou ser o ensaio mais bem elaborado do que tem por vir, mas acaba sendo uma grande aventura com pitadas de terror.

E aí, quando eu falo de “aventura com pitadas de terror”, eu falo de algo com assinatura dos anos 1980. Se você relembrar boa parte da produção cinematográfica desse gênero, vai notar que muito do cinema de terror norte-americano tinha esse viés. E o diretor do Mago Supremo é um dos expoentes desse tipo de narrativa, Sam Raimi. E aqui há um ponto muito positivo: ele consegue imprimir sua marca autoral na direção e constrói bem esse clima saudosista.

Mas voltemos ao roteiro. O que impede a evolução natural da história e sua problematização é, principalmente, a construção dos personagens. Temos uma cara nova, America Chavez, que é jogada no colo dos espectadores e acaba servindo de “muleta” para a narrativa. Deixa-se de desenvolver uma personagem que, sabemos, será rica para esta fase da Marvel e o seu multiverso. E veja bem: não quero dizer que é ruim o fato de a personagem ter surgido sem uma apresentação prévia. Nada disso. Mas há formas de contar sua história e mostrar sua personalidade para além da sua importância básica de viajar pelas realidades. Há um momento do filme em que isso ensaiado, mas logo deixado de lado.

Sobre o multiverso, o conceito também passa por problemas. Tudo o que trabalhado em “Loki” ou em “Homem-Aranha: Sem Volta pra Casa” passa longe de ser repetido ou ampliado em “Doutor Estranho 2”. Principalmente, a complexidade da existência de vários mundos. Parece mais um passeio rápido e artificialmente construído para resolver a trama objetivamente. Nem parece que os personagens principais estão imersos em situações que eles não sabem, de fato, onde vai dar.

A melhor exploração do multiverso, principalmente para a “loucura” não ficar apenas por conta da ação, ajudaria até às aparições especiais. Aliás, estas aparições são pertinentes para o Universo e apontam para a resolução mais correta de como inserir novos personagens. E personagens importantes. No entanto, eles também parecem servir apenas de ponte na história. E novamente, digo: não tem nada a ver com a forma com que eles aparecem ou com os seus destinos, mas o que acontece entre esses dois pontos.

E quanto às atuações? Essas são bem executadas. Xochitl Gomez, apesar do papel prejudicado, resolve bem sua atuação. Benedict Cumberbatch rouba a cena de novo. Como um ator de talento diferenciado, ele não só trabalha bem seu personagem, mas dá maior substância à personalidade de Strange, superando os obstáculos que o roteiro lhe impõe. Elizabeth Olsen dá uma nova vida à Feiticeira Escarlate. A personagem se manifesta realmente, como nos quadrinhos. No longa, Wanda consuma o que apontou ser em WandaVision. E Elizabeth mostra que pode bem mais do ponto de vista dramático.

No final, entre altos e baixos, “Doutor Estranho no Multiverso da Loucura” consegue se equilibrar na linha tênue e entregar um longa que funciona como entretenimento, mas que é prejudicado por um corte que impede explorar mais e melhor personagens e os mistérios que tantos universos podem revelar.

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