O acumulador de dores

Imagem: internet

De uma forma bem tosca, conseguimos definir o acumulador como alguém que entope sua casa com objetos irrelevantes e desnecessários como jornais velhos, lixo, coisas quebrados. Mas, na real, essa “mania” pode fazer o acumulador juntar até animais! Existem os níveis de acumulação que podem ir de coisas simples, como não conseguir se desfazer daquele boleto pago há 10 anos, até a transformação da habitação em um grande lixão, sem um pingo de higiene nem condições de moradia. Na TV a cabo tem até programa sobre o assunto! Mas, você sabe o que é um acumulador? Conhece ou já ouviu falar alguém assim?

O pesquisador David Tolin, da Escola de Medicina da Unversidade de Yale, definiu o problema de acumulação compulsiva (ou disposofobia) como “a aquisição excessiva e a incapacidade de descartar objetos que resulta numa desordem debilitante”. O estudo de Tolin, publicado no Archives of General Psychiatry, analisou o cérebro (via ressonância magnética) de 43 adultos já diagnosticados com o problema, 31 pacientes com transtorno obsessivo compulsivo (TOC) e 33 pessoas saudáveis.

Os voluntários tiveram de decidir entre duas pilhas de objetos (próprios e dos pesquisadores) quais queriam salvar e quais deveriam ser jogados fora. Os acumuladores só conseguiram descartar cerca de 29 entre 50 objetos, além de levarem mais tempo para decidir em relação aos demais voluntários do estudo e também se mostrarem bem mais ansiosos com a decisão.

O que se concluiu com o estudo foi que acumuladores não necessariamente precisam manter o que tem por apego aos objetos. Na verdade, eles apenas evitam decidir o que fazer por conta do medo extremo de tomar a decisão errada, jogar algo fora e achar que podem precisar disso posteriormente.

O que é importante ressaltar aqui é que, mais uma vez, um transtorno sério, não é levado à público com a seriedade necessária. Recentemente, a cantora Perla apareceu no programa Domingo Show, da TV Record, apresentado por Geraldo Luís, dentro de uma casa completamente tomada por lixo. Sucesso nos anos 80 e 90, a cantora caiu no esquecimento e problemas pessoais e dificuldade financeira a levaram a desenvolver a disposofobia. Pra quem assiste os realities da TV por assinatura, a casa de Perla era um paraíso diante das casas que mostram por lá. Mas isso, nem de longe, é parâmetro para medir o problema psíquico de ninguém, não é mesmo? Pois bem.

É importante ressaltar que de 2 a 4% da população mundial sofre com o transtorno e a maioria esmagadora dessas pessoas consegue esconder o problema de amigos e familiares. Ao contrário da percepção popular, muitos são indivíduos bem sucedidos, de alto funcionamento e que lutaram contra doença por décadas, em geral, silenciosamente.

Em muitos casos, o transtorno se manifesta após algum evento traumático (morte de alguém importante, desemprego, diagnóstico de doenças graves) ou outros transtornos psíquicos como ansiedade e TOC. Ter um acumulador na família também está entre os fatores que podem contribuir para o surgimento do transtorno. O comportamento do acumulador é semelhante ao dos viciados: eles acumulam “coisas” com o intuito de entorpecer suas emoções e ansiedades, fazendo da acumulação um vício.

É importante ressaltar que a acumulação não se restringe apenas a objetos. A frequência com que protetores animais são chamados para resgatar bichinhos das mãos de acumuladores é impressionante. Eles retiram os animais das ruas, mas não conseguem cuidar deles como deveriam. E vão acumulando, acumulando e acumulando… Até a situação ficar insustentável. A ativista Luisa Mell fala aqui sobre o limite entre proteger e acumular. Vale muito a leitura!

Para haver qualquer mudança, é necessário que a pessoa consiga chegar à raiz do problema e viva o processo de luto retardado pela prática da acumulação. E isso só é possível com acompanhamento psicológico.

Sinais de alerta
O primeiro alerta pode vir quando se percebe uma mudança em comportamentos rotineiros como atrasos no pagamento de contas, cuidados com higiene, redução na frequência de banhos, pouca socialização, cuidados de limpeza e manutenção da casa deixados de lado. Tudo vai virando uma bola de neve e, de repente, a pessoa se vê soterrada e não consegue mais enxergar a saída, chegando, enfim, à depressão e ao isolamento.

Inclusive, a grande maioria dos acumuladores tem alguma comorbidade associada, como TOC, depressão, ansiedade, transtorno bipolar, entre outros, o que agrava ainda mais comportamentos e tendências.

Como ajudar| o que NÃO fazer
Se você entendeu como este transtorno causa sofrimento, é importante ter empatia. Vale seguir algumas dicas:

  • construir uma relação de confiança e respeito é vital!
  • não critique, não faça comentários agressivos (“se eu pudesse, queimaria tudo aqui!”) ou tente encontrar soluções “rápidas” para o problema (“vou trazer um caminhão de lixo e tirar tudo isso daqui!”)
  • nunca, jamais, em hipótese alguma limpe a casa ou se desfaça dos pertences da pessoa sem autorização dela. não “aproveite” momentos de ausência do paciente para “resolver o problema”. não vai resolver e ainda pode piorar!

Estes erros diminuem quaisquer vestígios de confiança que você poderia ter conquistado. Se isto acontecer a pessoa poderá ter dificuldades em confiar em outras pessoas o que impediria que recebesse qualquer tipo de auxílio futuramente. Ajude de forma que não envergonhe e não cause ainda mais sofrimentos.

Como ajudar | o que fazer

  • Faça uma visita mesmo que a pessoa não queira: o isolamento só piora a situação. Nessa visita, não critique a situação da casa. Tenha compaixão e faça vistas grossas!
  • Minimize reações agressivas como ataques verbais e pergunte, com calma, como ela se sente em relação à desordem.
  • Incentive a pessoa a iniciar um processo psicoterapêutico para que ela consiga trabalhar as questões que a levaram a essa situação.
  • Se a pessoa aceitar ajuda para organizar a casa, recorra à especialistas em organização, assim, eles terão uma ideia melhor de como deixar apenas o necessário.

Como tentar evitar o excesso de coisas acumuladas?
Algumas pessoas começam a acumular sem perceber, guardando objetos como forma de recordar mas, aos poucos, vão deixando a casa cheias de coisas que vão se acumulando, mesmo em níveis menores. As dicas abaixo podem ajudar a afastar o risco da acumulação sem deixar de manter lembranças destes objetos que têm algum valor afetivo para você:

  • Mantenha fotos em arquivos digitais. O ideal é manter fisicamente apenas as fotos que ficam nos porta-retratos. Mas se você tem muito apego às recordações fotográficas, busque organizar um espaço só para elas, catalogue-as em álbuns por data, pessoa, época…
  • Receitas escritas à mão, recortes de notícias e revistas podem seguir o mesmo rumo das fotos. Mantenha versão digital do que for importante e descarte o restante. Mas, da mesma forma das fotos, se for extremamente importante como aquela receita escrita à mão pela sua avó, catalogue! 🙂
  • Herdou móveis e não tem coragem de se desfazer deles por apego sentimental? São só móveis. Seu ente querido seguirá em outra dimensão e dentro de você. Não vá entupir sua casa com móveis gigantescos que não cabem só porque sua bisavó ganhou aquela estante de 3m de largura por 3m de altura da avó dela! Se não quiser mesmo se desfazer, veja o que se encaixa com sua casa e seu estilo, reforme, renove! E se desfaça do que já possui, claro!
  • Todo mundo tem roupas que lembram bons momentos e pessoas queridas, não é mesmo? Mas se você só guarda essa peça porque era ela te lembra aquele primeiro namorado, você acha mesmo que ela cabe na sua vida hoje? Neste caso, a fotografia pode te ajudar!  Você pode doar ou até vender e fazer a moda circular para que outra pessoa crie novas lembranças com aquele vestidinho importante, que tal?
Não consegue buscar ajuda porque a grana tá curta? Pode arrumar outra desculpa porque essa não cola mais. Aqui tem uma lista de locais que oferecem ajuda psicológica gratuita e/ou de baixo custo. Liga! Marca um horário. Procura ajuda! Se ajudar é essencial para que possamos ajudar os outros. 🙂

Se você chegou até aqui, eu agradeço imensamente seus minutinhos de dedicação ao meu falatório. Precisamos falar de problemas de ordem psíquica. Eles são reais e extremamente comuns. Precisamos derrubar este tabu. Busque ajuda! Não precisa ter vergonha de tratar um problema emocional. A gente tem que se envergonhar é de menosprezar a capacidade da nossa mente. Nós podemos nos autodestruir como uma bomba atômica! E é pra evitar isso que tem um montão de gente se formando em psicologia e se especializando em psiquiatria. Eles existem pra AJUDAR! Não precisa se envergonhar disso. Todos somos frágeis. 😉 Até a próxima segunda!

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